A recusa do corpo sexuado na anorexia

Neste artigo, servindo-nos do aporte metodológico de uma revisão bibliográfica, propomos investigar a hipótese de que a anorexia, a qual se desencadeia em resposta à puberdade, pode ser concebida como uma recusa do corpo sexuado — aqui, como recusa do corpo feminino —, sobretudo daquilo que nesse corpo se correlaciona à emergência de um novo gozo sexual.

A passagem pelo cruzamento da puberdade implica para o adolescente também uma paradoxal iniciação sexual, que não é isenta de impasses. Assim, a anorexia surgiria como uma resposta do sujeito frente a uma dificuldade ou, mesmo, uma impossibilidade de adentrar a lógica da sexuação e assumir um corpo sexuado.

Com o intuito de enriquecer a nossa discussão, optamos por trazer ainda alguns fragmentos do filme Tem um vidro sob minha pele (2014), da diretora Moara Passoni. Sem qualquer pretensão de esgotar uma análise desse filme, apostamos que a articulação entre os recursos de imagem e de discurso ali empreendida pode nos ajudar a abordar pontos específicos condizentes à problemática e a extrair consequências para uma clínica psicanalítica com a anorexia.

A voracidade do supereu e a anorexia na adolescência

Neste artigo, abordamos as implicações de um supereu voraz na anorexia durante a adolescência a partir da psicanálise lacaniana. Para tanto, evidenciamos a adolescência enquanto um marco no processo de subjetivação, que convoca um outro posicionamento em relação ao sexual e ao desejo. A anorexia pode aparecer como uma via de posicionamento do sujeito diante da questão do sexual. Nesse caso, a voz do supereu, convocada como uma reposta ao dilema adolescente, conduz o sujeito a uma armadilha na qual o gozo é resultado da renúncia. Seu alto preço se faz ver em um corpo devorado pela voracidade e tirania do supereu.

O objeto na anorexia – da falta do objeto ao objeto nada

Para a psicanálise, o anoréxico revela que não é o objeto que conta, mas a falta do objeto. Não é o objeto alimento que é recusado ou desejado, ele vem ocupar tão somente o lugar da ausência do objeto. Esta questão está no centro do ensino de Lacan sobre a anorexia. A perspectiva fundamental destacada diz respeito à escolha anoréxica pelo nada. Buscamos, neste artigo, evidenciar de que modo a anorexia nos ensina sobre o estatuto do objeto em psicanálise. A particularidade de cada caso possibilitará a circunscrição, para cada um, do estatuto do objeto e da posição subjetiva em causa. Dois casos nos permitirão abordar, por um lado, a recusa anoréxica do objeto da falta e, por outro, a identificação ao objeto, evidenciando dois paradigmas do estatuto do objeto na anorexia. Trata-se de identificar o traço diferencial da anorexia para destacar, seja sua função de compensação ou suplência, seja sua função de defesa do desejo, que marca sua declinação neurótica.

Elementos para uma releitura clínica da noção de narcisismo a partir das relações entre anorexia e melancolia

Em 1914, Freud afirma que o narcisismo é uma operação essencial para que o sujeito constitua um eu e um corpo. A experiência clínica evidencia as dificuldades e os obstáculos para que esta necessária ação psíquica se conclua satisfatoriamente na esquizofrenia, na paranoia, na melancolia ou na histeria. Com Freud, compreendemos que a constituição do corpo como próprio é algo a ser alcançado. Já está presente na metapsicologia freudiana a ideia sobre a qual o sujeito tem com seu corpo uma relação de exterioridade, e que ele precisa apropriar-se deste corpo. A anorexia e a melancolia evidenciam as dificuldades desta operação. Com Lacan, o problema da anorexia não se deixa reduzir a uma fragilidade narcísico-imaginária. A partir daí, a dimensão imaginária somente deve ser considerada em relação com o Outro e com o gozo. Um caso clínico nos permite verificar que a anorexia pode funcionar como uma suplência imaginária em um caso de melancolia.

Ato e deriva pulsional na clínica da anorexia-bulimia

Os sintomas contemporâneos parecem se sustentar em um rechaço do inconsciente e resistem a entrar no discurso. A anorexia-bulimia vai na contramão da vertente simbólica do sintoma como mensagem e o revela como fixação de gozo, indicando uma recusa do inconsciente. Esse aspecto evidencia-se na clínica da anorexia-bulimia, na medida em que ali se verifica uma substituição do significante pelo gozo, apontando para uma clínica do ato mais do que uma clínica das manifestações do inconsciente. Esse tema será abordado a partir do depoimento de Fabíola De Clercq, publicado em Todo o pão do mundo. Sua parceria com a anorexia e a bulimia revela a inexistência da alteridade através da entrega a uma deriva pulsional. A partir desse testemunho, buscamos interrogar o modo particular de apresentação dessa clínica na qual a dimensão do ato é determinante.

Anorexia: uma conjugação do amor no feminino?

Este artigo busca discutir a incidência preponderante da anorexia em jovens mulheres nos dias atuais, buscando extrair uma possível relação entre a anorexia e o feminino. Parte-se do pressuposto de que a anorexia não é do gênero feminino por causa da cultura, mas é antes uma posição do sujeito na qual se evidencia uma afinidade estrutural com o feminino. A incidência da causalidade social sobre o sujeito não é negligenciada, entretanto é preciso interrogá-la na medida em que ela não se constitui como uma causa eficiente. Não podemos deixar de considerar que, nos dias de hoje, o corpo magro é um semblante do feminino. Ser magra indica a adequação do corpo ao ideal feminino transmitido pelo discurso social. Entretanto devemos nos interrogar também a respeito da posição do sujeito enquanto tal. Por que a anorexia encontra expressão privilegiada nas jovens mulheres? – tal é nossa questão. Nossa hipótese é que a anorexia pode ser, ao mesmo tempo, uma resposta aos impasses encontrados na sexuação feminina e uma demanda de amor.

Para além do paradigma histérico da anorexia: a ordem de ferro do supereu materno

Interessa-nos interrogar a afinidade estrutural entre anorexia e feminino a partir de um caso para além do paradigma histérico da anorexia. Tal afinidade frequentemente é abordada a partir de sua declinação histérica. Podemos dizer que, dentro desse paradigma, esta relação concerne sobretudo à essência do discurso amoroso: é por amor, para ser a única, que a anoréxica se consome na recusa do alimento. Por meio da recusa daquilo que vem do Outro no registro do ter, ela busca criar uma posição particular no Outro. Está disposta a morrer de fome por amor. Sabemos, contudo, que a busca do amor pode se converter em seu contrário, em uma recusa do Outro. É o que encontramos, por exemplo, nos casos de anorexia não histérica. A que responde a anorexia nos casos em que há uma foraclusão da significação fálica e que, portanto, não são redutíveis à manobra histérica de defesa do desejo? Como situar aí a afinidade entre anorexia e feminino? Tais questões serão colocadas a partir de um caso clínico no qual verificamos uma submissão a uma ordem de ferro do supereu e uma não assunção de uma posição sexuada na dialética amorosa.

Traumatismo e violência: a criança em meio à guerra urbana brasileira

O cotidiano de muitas crianças no Brasil tem sido atravessado por situações violentas extremas, evidenciando um estado de abandono social. Sendo assim, o presente artigo visa compreender, a partir da história de Sandro Barbosa do Nascimento e da psicanálise, a natureza do traumatismo e sua relação ao trauma na experiência da criança que vivencia cenas violentas em seu cotidiano. Compreendemos que o traumatismo se constitui na dimensão singular de cada criança, a partir do modo como lidam com o encontro com o trauma que as cenas violentas comportam, bem como com o gozo que irrompe da proximidade do Outro totalitário. Estes modos podem se constituir do recurso simbólico de cada sujeito, mas também da experiência com o não-sentido.